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Anulabilidade e sanação

Muito tempo passou desde a última vez que aqui escrevi. E bastante mais passou, se considerarmos a altura em que aqui escrevia regularmente. Não quero, de todo, deixar de o fazer. O tempo tem sido escasso, dividido entre alturas de muito trabalho e outras, poucas, em que a última coisa que quero é escrever sobre direito. Achei ter, agora, um tempinho e disposição para aqui escrever.

Escolhendo um tema que atravessa todo o Direito, falarei do problema da anulabilidade.

O que é a anulabilidade, começa por perguntar-se? É algo estranho, poder-se-ia responder sem fugir muito à verdade. Com efeito, a anulabilidade é um modo de resposta, aliás, é uma resposta per se a uma violação da ordem jurídica. Resposta essa procedente, aliás, dessa mesma ordem. Distinga-se, portanto, a violação do Direito, que consubstancia uma ilegalidade, e a resposta do Direito à mesma, vulgarmente chamada "desvalor". A anulabilidade é então fruto de uma norma secundária que determina que violadas certas normas, deverão esses actos, negócios jurídicos, etc. ser cominados com a invalidade, na modalidade de anulabilidade (existindo, dentro dessa mesma categoria, a nulidade, e regimes mistos. Já fora dela, ou pelo menos diferente, existe a inexistência jurídica e a irregularidade. Ocupemo-nos da figura que dá título ao trabalho.). A anulabilidade tem um regime curioso - por questões de simplificação, falaremos da anulabilidade de actos administrativos. Um acto administrativo anulável produz efeitos como se o não fosse (ou seja, produz efeitos como se fosse válido). No entanto, a sua anulabilidade pode ser arguida, com os efeitos de daí decorrer. Passado um ano, o acto sana-se definitivamente. E é aqui que surge o problema, como veremos adiante. Uma pequena nota para justificar este regime misto: considera a ordem jurídica que é mais importante respeitar a confiança dos particulares, a estabilidade e segurança jurídica do que negar ab initio efeitos ao acto administrativo anulável. Assim, o acto produz a plenitude dos efeitos previstos até "ordem" em contrário.

"O acto sana-se definitivamente". O que quer isto dizer? Depende dos autores. (Se a memória não me falha) Para o Prof. Rebelo de Sousa, o acto sana-se mas não se convalida (ainda que não esteja 100% certo do que isto quer dizer, a ideia que dá é que o acto produz efeitos como se fosse válido, mas estará sempre afectado, em determinados moldes, pelo vício do mesmo). O Prof. Paulo Otero faz uma analogia com um caso julgado ilegal. O Prof. Freitas do Amaral considera o acto legal. O Prof. Rui Machete considera que se extingui o direito de arguir essa anulabilidade em tribunal.

O que dizer destas opiniões? A páginas tantas do Manual de Direito Administrativo, Tomo III, Marcelo Rebelo de Sousa, diz-se que o acto que surja por força de outro acto, acto esse anulável mas já sanado, é válido. Como se concilia esta opinião com a do Prof. Rui Machete? Em princípio, não se concilia. Ou seja, podemos ver por este exemplo que existem outras consequências práticas do modo como se encara a anulabilidade. É de esperar que quem entenda que se extingue o direito de arguir essa anulabilidade em tribunal, não aceite a referida tese de que um acto baseado num anterior anulável já sanado seja válido, pois o acto primeiro nunca deixou de ser inválido. Não cabe aqui defender uma ou outra tese, apenas mostrar que não tratamos de discussões estéreis.

Há várias teses que me parecem apelativas, e vejo em cada uma delas, como não podia deixar de ser, razões para as aceitar. Difícil é, por tanto, escolher uma em detrimento de outra. Pode-se dizer que o acto padecendo de um vício jamais será válido. Por outro lado, também se pode defender que basta a ordem jurídica, através de uma outra norma, uma norma secundária, a considere como válida para ser defensável a tese de que o acto é efectivamente válido. Fica a questão.

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