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Hierarquia administrativa

Continuando a saga da simplificação, vamos falar um pouco da hierarquia administrativa, nomeadamente refutar a ideia de legalidade interna e legalidade externa - ou melhor, mais do que refutar, mostrar que tem interesse explicativo mas em rigor essa dualidade não existe.

A hierarquia administrativa define-se como alguma coisa parecida com um vinculo hierárquico entre um subordinado e um subordinante, vinculo este que determina a possibilidade do superior emanar ordens que têm de ser cumpridas pelo inferior, a par de alguns poderes instrumentais (controlo, fiscalização, etc.), por se considerar que o subordinante, além de estar mais perto do topo da legitimidade democrática, será uma pessoa mais qualificada que o subordinado.

O problema das ordens, nomeadamente das ordens ilegais, poderia ser facilmente resolvido numa perspectiva hierárquica, se o Direito fosse matemático - face a uma ordem ilegal, estamos perante um conflito de normas de valor diferente, sendo que o subordinado não deveria obedecer à ordem por esta carecer de validade face à lei, hierarquicamente superior. No entanto, o Direito não é Matemático, e ao bom estilo inglês mostramos os dois exemplos limite desta situação que permitem perceber o porquê desta concepção não ser exequível.

  • A) O superior dá uma ordem ilegal ao subordinado. O subordinado não cumpre com base na lei. O que é uma ordem ilegal? Quem garante que o subordinado de facto sabe que a ordem é ilegal, ou está correcto a afirmá-lo? É que, lembre-se, provavelmente o superior dirá o contrário, dirá que não é ilegal, senão nem a teria dado. Ou seja, por este caminho encontramos um obstáculo intransponível, que é uma espécie de duplo veto - em caso de ordem ilegal, o subordinado poderia recusar-se a cumpri-la; por outro lado, a própria classificação da ordem como ilegal também partiria do sujeito a quem a ordem é dirigida, colocando-o numa posição de supremacia inaceitável. Temos então de partir do pressuposto que, carecendo a legalidade no caso concreto de uma avaliação desse mesmo caso (apesar de, em abstracto, o legal ser legal e o ilegal ser ilegal, sem zonas cinzentas), alguém tem de ter primazia decisória, sob pena de termos o sistema administrativo em completo malfuncionamento fruto de orientações contrárias (ou, no mínimo, potencialmente contrárias). Considera-se então, como referido acima, que prevalecerá a interpretação do superior, mesmo que a ordem seja efectivamente ilegal. No entanto, esta norma pode ser afastada. E porquê? Atente-se no exemplo B)

  • B) O superior manda o subordinado matar João. Obviamente que estamos perante uma violação claríssima, aquilo que até já foi chamado de limite intuitivo. É correcto deixar ao superior o poder de o fazer? Por se acreditar que não, o legislador ditou certas excepções ao princípio da primazia do superior - em casos que constituam crime, levem a nulidade, que não sejam em matéria de serviço, que não emanem dum legítimo superior hierárquico e que não revistam a forma legal. Caso contrário, ou seja, caso não existissem estas excepções, o superior hierárquico era detentor total da actuação do subordinado, sempre, e a todos os níveis. Estas excepções, que em rigor nem o são - são imperativos do Direito vigente, consubstanciam uma àrea irredutível que salvaguarda a integridade do subordinado e também de todos aqueles que o rodeiam.

Temos assim dois princípios que mutuamente se comprimem e aconchegam dando, no nosso sistema, origem a um princípio de superioridade quase absoluta do superior, sendo o quase preenchido pelas cinco hipóteses de exclusão de dever de obediência, que, note-se, não são, ou não precisam de ser cumulativas.

Discute-se muito a existência ou não de uma legalidade interna e externa, na medida em que desde cedo se achou, e bem, necessário dar uma explicação para a subsistência de ordens ilegais, e ainda por cima subsistência permitida. Ora, é exactamente neste "ainda por cima" que reside a explicação - a ilegalidade é permitida, ou pelo menos a emissão de ordens ilegais. Por isso, as ordens não são ilegais. As ordens são ordens legais que estatuem condutas, que podem ser ilegais. É uma espécie de exclusão de ilegalidade - mas uma exclusão de base, na medida em que o acto nem pode ser considerado como ilegal, a ordem não pode ser considerada como ilegal, na medida em que cumpre preceitos legais. Pode-se dizer que estamos perante duas normas contraditórias, ou melhor, que a norma que permite a emissão de normas ilegais contradiz toda e qualquer norma que nesse momento seja visada. Pegamos aqui nos brocardos - "lex superiori derogat lex inferiori" - neste caso, referimo-nos a normas de igual valor hierárquico - daí que, se a norma violar uma norma constitucional, a norma que permite a sua emissão já perde em valor hierárquico, e acaba por recair numa das cinco excepções (ainda que o inverso não seja verdadeiro - nem todas as excepções se consubstanciam em prevenções de violação da constituição, mas em último caso, levam a que preceitos superiores à norma que permite ordens ilegais sejam esvaziados (.nem sei se é verdade...não dei exemplo.). Quanto ao "lex especiali derogat lex generale", a questão também é bastante simples - a norma que permite a emissão de ordens ilegais é uma regra excepcional. (é?)

[Falta parte da legalidade interna e externa. Go Kelsen. E, claro, a questão da total (ou não..) disponibilidade da competência decisória ]

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