O porquê da reserva de lei

Apesar de, mais uma vez, tratarmos aqui de uma opinião, esta é, face às restantes, pouco controversa e poderá provavelmente ser apreendida sem grandes dúvidas - trata-se de uma mera explicação parcial do princípio de reserva de lei. Sem mais demoras, e sem explicar de trata este princípio, passemos a explicar o seu fundamento.

A função administrativa é uma função secundária e está subordinada, tal como aliás o estão todas as actividades, à lei, latíssimo sensu. Não deriva daqui, no entanto, o princípio de reserva de lei - senão vejamos: tal como a conduta dos particulares está subordinada à lei, também o está a da administração pública - podemos daqui depreender que a administração é dotada da chamada autonomia privada (neste caso seria autonomia pública)? Ou seja, que pode fazer tudo aquilo que não é proibido por lei latu sensu? Existe apenas um critério de proibição, uma delimitação negativa da esfera de acção administrativa? Não.

A função administrativa prossegue o interesse público. Os particulares prosseguem os seus próprios interesses, sejam estes ou não coincidentes com os interesses colectivos. No Estado Liberal, o Chefe de Estado tinha o poder de fazer o que bem entendesse desde que respeitando a esfera pessoalíssima dos particulares - nomeadamente no que se refere à liberdade e à propriedade - tudo o resto era possível. Chega-se assim a este equilibrio entre o grande poder do Chefe de Estado e a esfera inviolável dos particulares na medida em que a vontade do povo é soberana, concepção emergente das teses de soberania popular rousseaunianas.

Com o passar do tempo, e com a passagem para o Estado Social, o Estado passou a intervir mais e menos no domínio dos particulares - mais porque a administração prestacional e infra estrutural emergiram com força, fazendo com que esta prosseguisse fins que outrotra lhe haviam sido vedados; menos, porque a esfera pessoalíssima alargou-se e passou a existir uma grande esfera, pessoal, inviolável pela administração. O aumento do aparelho, e o aumento também do diametro da esfera privada, juntamente com as concepções cada vez mais democráticas e de sujeição do poder político aos particulares, maxime através da oponibilidade de direitos subjectivos ao Estado, e da queda das ideias de poder absoluto dos Chefes de Estado, levou à necessidade cada vez maior de abolir espaços não regulados pela lei relativos à conduta da administração - adoptou-se um critério de delimitação positiva, a partir do qual a administração apenas podia actuar na medida em que existisse uma prévia habilitação legal para tal - num exemplo concreto, se um particular quiser construir uma estátua em memória do seu avô, pode, no exercício da autonomia privada. A administração não pode decidir per si a construção duma estátua em homenagem a alguem, ainda que o seu contributo seja irrefutavelmente valioso para a sociedade e seja mais que merecida a estátua - é necessário que a conduta seja fundada na chamda norma habilitante, que por sua vez tem de ter densificação normativa suficiente para não lograr o seu próprio intento.

Esta necessidade é bastante importante na medida em que ajuda no bloqueio a desvios na prossecução do interesse público, e torna mais fácil determinar quando é que tal acontece. Caso contrário, apenas poderia acontecer uma de duas coisas, sendo que nenhuma é actualmente aceitável - ou eram os tribunais a decidir quando existia desvio dos interesses públicos, sem terem base legal, e assim superiorizavam-se à administração e usurpavam as suas funções, ou então não existia qualquer controlo e a administração tinha carta verde para todas as actividades que quisesse desenvolver, qo eu não é aceitável num Estado de Direito.

Brevemente, espaços abertos nas leis habilitantes (quando ganhar coragem) e a relação entre a Justiça e os Tribunais superiores.

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