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Umas quantas ideias sobre o Direito. O Direito é constituido por normas primárias e secundárias (diz o Hart, e bem). Apenas as normas primárias regulam condutas humanas. Daí que alguns autores considerem, e percebe-se o ponto de vista, que o Direito não regula conduta. O Direito faz algo mais do que isso, ou pelo menos precisa de algo mais do que isso para as conseguir regular. Pelo menos é essa a minha visão, a de que o Direito é finalisticamente orientado para a regulação de condutas humanas, e nada mais (e essa regulação em lato sensu, na medida em que dentro da regulação existem várias hipóteses, desde a imposição ou proibição de uma conduta per si à imposição de várias condutas com vista Á produção de efeitos, etc - as hipóteses são infindáveis). No entanto, existem outras regras, as regras secundárias, cuja função mediata é também regular a conduta humana, mas a sua função imediata é regularem outras normas. Em bom rigor, elas só têm função imediata, não existe função mediata - o que existe é um resultado, ou seja, quando estas normas secundárias regulam aspectos nas normas primárias permitem que estas produzam o seu efeito na regulação da conduta humana.
Existem, no entanto, mais ideias importantes, e a reter, sobre as normas primárias e as secundárias. O que vem a seguir é uma generalização, com todo o perigo que daí advém, mas também, caso esteja certa, com todas as vantagens na medida em que todo o conhecimento é generalização, mas na exacta medida em que não seja exagerada nem se encontre nenhum caso que caia fora dessa generalização. Continuando, o que eu acho é que as normas primárias são todas coercivas - o que significa ser correcta a seguinte proposição: todas as normas dirigidas à regulação da conduta humana são coercivas. Então e quanto às normas secundárias? Essas são dirigidas às normas primárias, e obrigam. Caso não sejam cumpridas, serão accionadas outras normas secundárias que sancionam as primárias com um desvalor. E não procede dizer então que nem todas as normas secundárias são sancionatórias em termos de implicarem um desvalor, pelo facto de terem de "chamar" umas terceiras - está mais que provado que, face à diferença entre enunciado normativo e norma, pode perfeitamente existir uma norma espalhada por vários enunciados normativos, no qual um tenha a previsão e o outro a estatuição (sendo que o operador deôntico também estará algures). Ou seja, em síntese, temos que as normas primárias atacam o seu desrespeito com sanções coercivas, e as secundárias com desvalores (invalidade, etc).

A seguir, o "cheirinho" jusnaturalista na densificação de princípios para os positivistas. Ou seja, a densificação de princípio como elo de ligação entre a norma e o Direito, salvando assim os positivistas de algumas críticas.

O Direito é coercivo

Esquecendo as divergências sobre o conceito de coação, coerção, etc, vou defender a coercibilidade de todo o direito. Ou seja, a premissa base é a de que todo o direito é coercivo. Para o fazer, preciso de definir coercivo, e definir esse conceito com alguns ajustes face à doutrina tradicional, na medida em que a coercibilidade a que aqui me refiro não é necessariamente a uso da força. Pergunte-se, então, o porquê de usar este termo. De facto, talvez não seja o mais correcto à partida, mas adiante perceber-se-à o porquê.

Toda a conduta desconforme ao Direito vai levar, ou devia levar, na medida em que o Direito trata do sistema ideial - o facto de alguém matar outrem e não ser descoberto não quer dizer que não exista punição para essa conduta - a uma aplicação de uma sanção coerciva. Os exemplos da praxe apresentam-se de fácil compreensão. Se A mata, A é punido, que é o mesmo que dizer que se a previsão é preenchida pela conduta, a estatuição é um imperativo lógico, e ocorre automaticamente. Relembre-se ainda, quanto à discricionariedade, o porquê de não existir discricionariedade na previsão das normas: por muito que a previsão contenha conceitos indeterminados, a decisão final vai ser sempre de sim ou não - a subsunção do caso concreto à norma acciona ou não a estatuição. Em face de conceitos indeterminados claro que o aplicador da norma verá o seu espaço de manobra aumentar, mas nem por isso deixa de se poder dizer que a situação concreta preenche a previsão, e verifica-se a estatuição, ou, pelo contrário, a previsão não é preenchida e a estatuição não se verifica. Continuando, nestes exemplos básicos é facil ver que a ordem é coerciva.

Em exemplos mais "civilistas", a questão complica um pouco. Se A tem uma obrigação e não a cumpre, é ordenado a A que pague uma indemnização. Se A não o fizer, o seu património será vendido para a obtenção de liquidez para saldar a dívida. Esta internveção consiste sempre no uso da força, ou seja, a venda de bens de A é obviamente conseguida conquanto se utilizem meios coercivos (ou conquanto haja a hipótese de os utilizar de A resistir).

Se A e B celebram um contrato formalmente insuficiente, esse contrato padece de um desvalor. Esse desvalor, se não está directamente ligado à coercibilidade, está sempre indirectamente ligado a ela, na medida em que, face à ordem jurídica, esse contrato não existirá, ou existirá viciado, e a sua validade está condicionada. O que implica que o exercício dos direitos imanentes desse contrato não poderá ser exercido com o apoio da ordem jurídica, ou seja, a ordem jurídica não empresta a sua força coerciva para cumprimento desse contrato. O racicionio aqui é ao contrário, na medida em que a ordem jurídica não actua coercivamente precisamente porque excluiu do sistema jurídico esse acto viciado, ou pelo menos excluiu-o na medida do seu desvalor.

A própria autonomia privada deriva de uma permissão normativa genérica de produção de efeitos jurídicos. Fora dela, os efeitos ou são proibidos, ou não são jurídicos. Aos não jurídicos a ordem jurídica nada tem a dizer, e aos proibidos ela atribui-lhes um desvalor que as marca como portadoras de um vício, que limitará a sua produção de efeitos, por exemplo.

As normas não são vinculativas porque são. E está na altura de rever a concepção que apresentei acima. De facto, esta coercibilidade de que falei é algo mais, é uma coercibilidade num sentido muito lato, consubstanciado em desvalores de normas, quando estas desrespeitem outras normas, ou uma sanção coerciva de condutas, quando estas vão contra as normas. Um acto legislativo que não cumpra os requisitos normativos nem entrará em vigor.

O Direito é para ser cumprido porque tem por trás dele o monopólio coercivo do Estado. Tal como Hart explica, numa formulação não isenta de possíveis críticas (críticas essas que até eu formulo), mas ainda assim provavelmente a melhor concepção existente até hoje, o Direito provém duma norma de reconhecimento, pela qual a população de um certo Estado permite à pessoa X, ao órgão Y, etc, legislar. E a partir daí tudo funciona num sistema lógico, sob a égide dum monopólio coercivo que é detido pelo destinatário dessa norma de reconhecimento, dessa norma que mostra que a população confia a esse destinatário o seu futuro em termos de regulação jurídica. Em suma, toda a conduta desconforme ao Direito resultará num desvalor da mesma, se esta tiver relevância jurídica, ou eventualmente numa restituição da paz jurídica através da força, em última instancia.

(A precisar de ser reorganizado e pensado, mas para já serve)

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