Mostrar mensagens com a etiqueta Hans Kelsen. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Hans Kelsen. Mostrar todas as mensagens

Para quem não tenha paciência de ler Kelsen, Ross e Hart (a famosa trilogia), e sinta que, para criticar, é preciso conhecer, aqui está um bom começo.

Passagens retiradas de um artigo de Juliano Aparecido Rinck:
"O positivismo jurídico na analise da doutrina jurídico-filosófica italiana: Desmistificando o conceito de Direito da teoria positivista"


Um: "Il fatto è che l’espressione ‘positivismo giuridico’ non individua un’única concezione del diritto, ma una pluralità di concezioni tra loro(almeno apparentemente) non sempre compatibili."

SCHIAVELLO, Aldo. Il posotivismo giuridico dopo herbert. l.. a. hart. p.1


Dois (acerca de Kelsen): "Neste ponto julgamos necessários fazemos uma distinção entre a validade da norma e a validade do sistema normativo. A norma possui validade independentemente da aceitação ao não do comportamento humano, já o sistema somente será válido de possuir eficácia, ou seja, se for aceito pelos indivíduos, membros da comunidade25. Assim, quando críticos dos positivismos kelseniano afirmarem que a teoria validade proposta pelo jurista austríaco possibilita justificar um sistema jurídico de um regime político ditatorial, como o do nazismo, por exemplo, se equivocam ao interpretar o conceito de validade de Kelsen. O sistema normativo do nazismo foi válido, porque os indivíduos daquele sistema aceitaram e se comportaram conforme com aquele seja por livre concordância ou pela imposição da força do sistema, isso não importa para Kelsen."


Três: (acerca do realismo em geral, que inclui, no artigo, o norte americano, e o escandinavo, este último representado maioritariamente por Alf Ross:"Para Norberto Bobbio o realismo jurídico não se enquadra na concepção de positivismos jurídico, pois a define direito como “o conjunto de regras que são efetivamente seguidas numa determinada sociedade”, ou seja, consideram “o direito como uma realidade fatual”. Assim, consideram o direito do ponto de vista da eficácia (na esfera do ‘Ser’) e não da validade (na esfera do ‘Dever Ser’), como os jurispositivistas, pois para os realistas “ é direito verdadeiro somente aquele que é aplicado pelos juizes; as normas que procedem do legislador, mas que não chegam ao juiz, não são direito, mas mero flatus vocis”.

Quatro: (acerca de HLA Hart): "Hart elucida a diferenças entre os dois pontos de vista comparando com atitude dos motoristas diante do semáforo. Os motoristas, em geral, conhecem e aceitam as regras de trânsito, assim agindo em conformidade com essas. Até mesmo prevendo e compreendendo o comportamento dos outros motoristas, esse seria o ponto de vista interno. Já o ponto de vista externo explica com a presença de uma observador que não conhece as regras do trânsito. Esse pode se dar de duas maneiras: ponto de vista extremo externo onde o observado apenas registra a esfera do “ser”, o comportamento dos motoristas, não compreendendo o esfera do “dever ser”, as leis de trânsito. Já o outro ponto de vista chamado de externo moderado além da verificação empírica da conduta, também o observador adentra naquela sociedade para compreender o porquê dos motoristas pararem diante do sinal vermelho, ou seja, relaciona à conduta (parar no sinal vermelho) com a regra (o Código de Transito). Mas, a regra não aplica a ele e nem necessita comportar-se de acordo com essa. Hart. op cit. p. 99-101"

Cinco: (ainda HLA Hart): "A regra de reconhecimento, de caráter secundário, consiste na regra suprema do sistema jurídico, que estabelece quais regras devem ser reconhecidas como juridicamente válidas, ou seja, identifica quais regras diretas, regras primárias de obrigação, devem pertencer ao sistema normativo. Essa regra não se apresenta de forma explícita, já que para Hart depende (e decorre) do comportamento dos agentes estatais, dos tribunais e dos particulares. Assim, compreende-se a visão hartiana de direito como prática social, visto que o critério de validade consiste numa conduta social que reconhece, para aquele determinado país e momento histórico, o que é direito válido."

Seis: (considerações finais) Muito importante: "Devido a essa essência empírica o conteúdo da regra de reconhecimento é variável no tempo e no espaço. Podendo, deste modo, incluir vários elementos, seja de natureza formal ou material. Temos aqui um dos pontos mais criticados da teoria hartiana, já que a regra de reconhecimento possibilita que os valores do campo da moral ingressem no campo das ciências jurídicas, ou seja, no direito. O que é totalmente repugnado pelos positivistas clássicos, como Kelsen, e pelos pós-hartianos, como Joseph Raz entre outros."

Para terminar, a referência de que Herbert Lionel Adolphus Hart é actual e provavelmente o meu jurista preferido.

Umas quantas ideias sobre o Direito. O Direito é constituido por normas primárias e secundárias (diz o Hart, e bem). Apenas as normas primárias regulam condutas humanas. Daí que alguns autores considerem, e percebe-se o ponto de vista, que o Direito não regula conduta. O Direito faz algo mais do que isso, ou pelo menos precisa de algo mais do que isso para as conseguir regular. Pelo menos é essa a minha visão, a de que o Direito é finalisticamente orientado para a regulação de condutas humanas, e nada mais (e essa regulação em lato sensu, na medida em que dentro da regulação existem várias hipóteses, desde a imposição ou proibição de uma conduta per si à imposição de várias condutas com vista Á produção de efeitos, etc - as hipóteses são infindáveis). No entanto, existem outras regras, as regras secundárias, cuja função mediata é também regular a conduta humana, mas a sua função imediata é regularem outras normas. Em bom rigor, elas só têm função imediata, não existe função mediata - o que existe é um resultado, ou seja, quando estas normas secundárias regulam aspectos nas normas primárias permitem que estas produzam o seu efeito na regulação da conduta humana.
Existem, no entanto, mais ideias importantes, e a reter, sobre as normas primárias e as secundárias. O que vem a seguir é uma generalização, com todo o perigo que daí advém, mas também, caso esteja certa, com todas as vantagens na medida em que todo o conhecimento é generalização, mas na exacta medida em que não seja exagerada nem se encontre nenhum caso que caia fora dessa generalização. Continuando, o que eu acho é que as normas primárias são todas coercivas - o que significa ser correcta a seguinte proposição: todas as normas dirigidas à regulação da conduta humana são coercivas. Então e quanto às normas secundárias? Essas são dirigidas às normas primárias, e obrigam. Caso não sejam cumpridas, serão accionadas outras normas secundárias que sancionam as primárias com um desvalor. E não procede dizer então que nem todas as normas secundárias são sancionatórias em termos de implicarem um desvalor, pelo facto de terem de "chamar" umas terceiras - está mais que provado que, face à diferença entre enunciado normativo e norma, pode perfeitamente existir uma norma espalhada por vários enunciados normativos, no qual um tenha a previsão e o outro a estatuição (sendo que o operador deôntico também estará algures). Ou seja, em síntese, temos que as normas primárias atacam o seu desrespeito com sanções coercivas, e as secundárias com desvalores (invalidade, etc).

A seguir, o "cheirinho" jusnaturalista na densificação de princípios para os positivistas. Ou seja, a densificação de princípio como elo de ligação entre a norma e o Direito, salvando assim os positivistas de algumas críticas.

O Direito é coercivo

Esquecendo as divergências sobre o conceito de coação, coerção, etc, vou defender a coercibilidade de todo o direito. Ou seja, a premissa base é a de que todo o direito é coercivo. Para o fazer, preciso de definir coercivo, e definir esse conceito com alguns ajustes face à doutrina tradicional, na medida em que a coercibilidade a que aqui me refiro não é necessariamente a uso da força. Pergunte-se, então, o porquê de usar este termo. De facto, talvez não seja o mais correcto à partida, mas adiante perceber-se-à o porquê.

Toda a conduta desconforme ao Direito vai levar, ou devia levar, na medida em que o Direito trata do sistema ideial - o facto de alguém matar outrem e não ser descoberto não quer dizer que não exista punição para essa conduta - a uma aplicação de uma sanção coerciva. Os exemplos da praxe apresentam-se de fácil compreensão. Se A mata, A é punido, que é o mesmo que dizer que se a previsão é preenchida pela conduta, a estatuição é um imperativo lógico, e ocorre automaticamente. Relembre-se ainda, quanto à discricionariedade, o porquê de não existir discricionariedade na previsão das normas: por muito que a previsão contenha conceitos indeterminados, a decisão final vai ser sempre de sim ou não - a subsunção do caso concreto à norma acciona ou não a estatuição. Em face de conceitos indeterminados claro que o aplicador da norma verá o seu espaço de manobra aumentar, mas nem por isso deixa de se poder dizer que a situação concreta preenche a previsão, e verifica-se a estatuição, ou, pelo contrário, a previsão não é preenchida e a estatuição não se verifica. Continuando, nestes exemplos básicos é facil ver que a ordem é coerciva.

Em exemplos mais "civilistas", a questão complica um pouco. Se A tem uma obrigação e não a cumpre, é ordenado a A que pague uma indemnização. Se A não o fizer, o seu património será vendido para a obtenção de liquidez para saldar a dívida. Esta internveção consiste sempre no uso da força, ou seja, a venda de bens de A é obviamente conseguida conquanto se utilizem meios coercivos (ou conquanto haja a hipótese de os utilizar de A resistir).

Se A e B celebram um contrato formalmente insuficiente, esse contrato padece de um desvalor. Esse desvalor, se não está directamente ligado à coercibilidade, está sempre indirectamente ligado a ela, na medida em que, face à ordem jurídica, esse contrato não existirá, ou existirá viciado, e a sua validade está condicionada. O que implica que o exercício dos direitos imanentes desse contrato não poderá ser exercido com o apoio da ordem jurídica, ou seja, a ordem jurídica não empresta a sua força coerciva para cumprimento desse contrato. O racicionio aqui é ao contrário, na medida em que a ordem jurídica não actua coercivamente precisamente porque excluiu do sistema jurídico esse acto viciado, ou pelo menos excluiu-o na medida do seu desvalor.

A própria autonomia privada deriva de uma permissão normativa genérica de produção de efeitos jurídicos. Fora dela, os efeitos ou são proibidos, ou não são jurídicos. Aos não jurídicos a ordem jurídica nada tem a dizer, e aos proibidos ela atribui-lhes um desvalor que as marca como portadoras de um vício, que limitará a sua produção de efeitos, por exemplo.

As normas não são vinculativas porque são. E está na altura de rever a concepção que apresentei acima. De facto, esta coercibilidade de que falei é algo mais, é uma coercibilidade num sentido muito lato, consubstanciado em desvalores de normas, quando estas desrespeitem outras normas, ou uma sanção coerciva de condutas, quando estas vão contra as normas. Um acto legislativo que não cumpra os requisitos normativos nem entrará em vigor.

O Direito é para ser cumprido porque tem por trás dele o monopólio coercivo do Estado. Tal como Hart explica, numa formulação não isenta de possíveis críticas (críticas essas que até eu formulo), mas ainda assim provavelmente a melhor concepção existente até hoje, o Direito provém duma norma de reconhecimento, pela qual a população de um certo Estado permite à pessoa X, ao órgão Y, etc, legislar. E a partir daí tudo funciona num sistema lógico, sob a égide dum monopólio coercivo que é detido pelo destinatário dessa norma de reconhecimento, dessa norma que mostra que a população confia a esse destinatário o seu futuro em termos de regulação jurídica. Em suma, toda a conduta desconforme ao Direito resultará num desvalor da mesma, se esta tiver relevância jurídica, ou eventualmente numa restituição da paz jurídica através da força, em última instancia.

(A precisar de ser reorganizado e pensado, mas para já serve)

Visita a Kelsen

Em 1961, Kelsen diz a Ross, sorrindo: "a discussão entre nós é de um tipo totalmente novo, porque apesar de eu concordar contigo tu não concordas comigo"

Blogger Templates by Blog Forum