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Em vésperas de ir para Estocolmo descansar =P

Uma das grandes, e a meu ver a melhor em teoria - porque na prática ela é feita sem se conhecer o que se critica - é a suposta falta de ligação entre o universo normativo, a bíblia positivista, e a realidade, a vivência social, etc. Em primeiro lugar, não posso deixar passar com tanta ligeireza o que disse em cima - a maior parte das pessoas que criticam estas visões não as conhece. Não percebe mesmo de que é que se fala. Positivismo e Kelsen são a mesma coisa, os positivistas não têm ideias de Justiça, etc etc etc. (até o próprio Kelsen escreveu sobre a ideia dele de Justiça! A diferença está em se achar (ou não) que essa ideia própria serve para uma pluralidade de destinatários indeterminados). Positivismo e Kelsen têm muito a ver claro, e foi a partir dele, do seu "extremismo teorético" que tudo surgiu. Mas há muitos positivistas que criticam a grundnorm, que não consideram todo o Direito coercivo, etc etc. O que não quer dizer que tenham razão, isso é outra questão. Ou que não a tenham. O que importa mostrar é que as correntes normativistas e positivistas (vocábulos que não são sinónimos mas não me recordo agora exactamente da diferença) não são uma corrente subsidiária de alguns teóricos que gostam de Matemática. E nem são uma corrente una.

Continuando, vendo que as correntes analíticas trataram muito bem os princípios, e para fugir à critica, ou melhor, para mostrá-la como relativamente improcedente, vamos atentar no modo como se densificam os princípios. Os princípios estão positivados de forma muito básica - ex: na Constituição está consagrado o princípio da igualdade. Ora, isto nada nos diz. E no entanto, este princípio tem o seu conteúdo bastante consensual e organizado, fruto da história que ele tem, no sentido do "modo como tem vindo a ser entendido". Fruto da doutrina e da jurisprudência (tenho de referi-la, apesar da relativa aversão que tenho ao facto da jurisprudência assumir certos trabalhos deste tipo), os princípios são densificados. E o modo como estes são vistos reflectem necessariamente as suas visões pessoais - não pessoais no sentido de uma única pessoa, mas pessoais no sentido do sentimento geral das pessoas face ao que são os valores da sociedade naquele momento. E há ainda uma grande vantagem: a história serve como ajuda e como substracto, mas face à interpretação actualista objectivista da lei, latu sensu, esta como que ganha vida após estar positivada, pelo que pode ser interpretada consoante o que se acredita correcto agora, e não na altura da sua feitura.

Agora lembrei-me de mais um problema: a ponderação que o interprete aplicador faz dos princípios, ou seja, a sua intensidade de aplicação e a subsunção ou não destes ao caso concreto é influenciada também por estas mesmas razões? É um problema..

Princípios

Importa agora ver os princípios de outro ângulo do visto no primeiro ou segundo post deste Blog. Interessante ainda é comparar, ainda que, como disse, estejamos perante prismas diferentes, este post com os primeiros. Isto porque me parece que muito do que lá foi dito estará relativamente errado, o que não deixa de ser animador se visto no sentido de evolução. Antes, e como pressuposto, apenas a informação de que a corrente analítica do Direito é fulcral no meu entendimento do mesmo. E comecemos por aí. Aqueles antigos escritos, aquele direito muito denso, mais pela linguagem do que pelo esforço mental exigido, tem de evoluir (note-se que é bem mais difícil mentalmente ler um bom texto analítico do que um bom texto não analítico, mas certamente com frutos merecedores do esforço). O problema desses textos é que, sendo eles próprios antigos, e contendo ideias antigas, se baseiam em ideias anteriores antiquíssimas! E o problema não é apenas esse, é todo o lastro histórico cultural, que é importante, mas apenas na medida em que permita conhecimento e estabilidade, e não cristalização e um pretenso dogma de soluções perenes. O facto é que muito do Direito, maxime o privado, segue uma solução de continuidade, inovando aos poucos (o que, de per se, é positivo face à necessidade de estabilidade), mas sem conseguir agarrar as hipóteses de ruptura, e se o faz, fá-lo temporariamente ou por fases, como um elástico que ora estica ora encolhe. É uma continuação de textos antigos baseados em ideias antigas baseadas em textos antigos baseados em ideias antigas. Nota-se, no entanto, uma evolução positiva recentemente, e um reconhecimento da importância da evolução, quer por parte dos mais novos como dos mais velhos, i.e., um reconhecimento da grande e cada vez maior necessidade do Direito se posicionar o mais "avantgard" possível. A evolução, pensamos, e como mostra o recente banner deste Blog, tem de ser de base, ou melhor, tem de se processar em dois momentos, relacionados num sistema: deve-se aperfeiçoar um regime ao máximo, dando-se primazia à necessidade de estabilidade, e, após se verificar a sua insuficiência, insuficiência essa que é normal e inevitável numa ciência do Homem para o Homem, começar a buscar nas bases as alterações que possam ser feitas. E há toda uma geração de juristas cujas ideias devem ser aproveitadas, independentemente do seu pendor positivista ou não. O que nos interessa aqui não é essa discussão, mas sim os contributos do dito Direito Analítico para o Direito actual. É claro que, face à revolução económica e à influencia de senhores como o Coase, o Mill, o Adams, etc, avançou uma nova vertente, também analítica, mas muito distinta da defendida aqui, por ser constituída por elementos demasiado matemáticos, reduzindo a complexidade humana a algo que não pode ser expresso por meros impulsos ou decisões relativamente racionais; é uma ciência demasiado pertencente ao ser para ser transladada em absoluto para uma ciência do dever ser. Não deixou, contudo, de ser um bom ponto para contrabalançar tendências demasiado clássicas, cuja conjunção deixou a balança num ponto que permitiu estas correntes recentes o avanço exponencial (ainda que já Descartes fosse um mestre analítico). Um aspecto importante para um sistema completo e dinâmico é o estudo dos princípios, e disso trataremos agora.

Alguma doutrina trata os princípios como normas, normas como regras, etc. É de todo útil a precisão terminológica na medida em que permite a apreensão imediata do significado dos termos e ajuda a isolar os factores divergentes entre duas opiniões: quanto menos problemas linguísticos existirem, mais a discussão se irá focar no que realmente interessa - o conteúdo. Então, e sem referências bibliográficas para esta definição, pelo que pode não ser a mais correcta, tentemos: tanto a regra como o princípio são normas, portanto, pertencentes ao mundo do dever ser. O problema do que é exactamente uma norma já transborda deste âmbito na medida em que sobre ele têm implicações posições sobre a natureza do Direito, sobre o Direito positivo/não positivo, etc - mas vamos encará-la como um sentido deôntico, um regulador de condutas. Mais correctamente ainda é a definição de escola, que permite afastar a definição das incertezas da linguagem: Se A é, B deve ser. (note-se, como se refere no Manual de Legística, que é incorrecto outro tempo que não o Presente na estatuição - com efeito, uma vez sanada a condicionalidade da norma pela verificação da previsão, é directa e imediata a aplicação da estatuição. Note-se ainda que não se diz B é, mas sim B deve ser.) Regras são uma maneira objectiva, relativamente concreta, ou densificada normativamente (sem prejuízo do seu carácter em princípio geral e abstracto, o que configura uma outra discussão - para ela, vide Manuais de Introdução ao Direito - Marcelo Rebelo de Sousa, Oliveira Ascenção, Baptista Machado, etc.) de apresentar as normas latu sensu. Os princípios são também normas, mas são menos objectivos, não no sentido de para eles relevar o estado do sujeito, mas no sentido de que há muita maior margem de preenchimento da tatbestand (previsão da norma) de um do que de uma regra, que apresenta uma previsão relativamente rígida. Os princípios, fruto da falta de densificação normativa, são a salvação do Direito, e ao mesmo tempo uma ameaça para ele. Porquê? Porque são como cheques que não podem estar passados em branco. Mas por outro lado têm de o estar. Por um lado, não podem estar passados em branco porque existe necessariamente uma densificação, que tem de ser técnica e não casuística dos mesmos, sob pena de tudo o que se faça seja conforme ao Direito invocando o princípio X. Por outro lado, fruto da falta de densidade, falta essa que é desejável, para capturar nas redes do Direito tudo o que se considere que deva, face a eles, ser capturado, conseguem resolver casos para os quais a intuição jurídica apontava uma resolução, em sintonia com a sistemática do ordenamento - sendo que, em vez de recorrer directamente a argumentos de Direito Natural, como "imperativos de justiça", pode-se recorrer, normalmente, aos princípios. Depois, dependendo das opiniões, existirá ainda um passo, o do Direito Natural, enquanto que para outros a rede termina aí, nos princípios positivos (ou que, não sendo positivos, decorrem do homem, e não de algo supra-humano). Outro problema, que também não tenciono resolver, é saber como densificar os princípios - aliás, saber sabe-se, a discussão recai sobre se o Direito Natural pode entrar logo na densificação dos princípios, ou se o Direito Natural constitui um grupo de princípios depois destes. Irónico é o facto de a dualidade abertura/incompletude dos princípios é, de per se, um choque entre princípios, nomeadamente a necessidade do ordenamento prever todos os casos para resolvê-los de forma justa, e doutro lado a segurança jurídica (sendo que esta justiça tanto pode ser a justiça per se como o simples cumprimento do Direito - o que torna um pouco paradigmática esta ultima posição, que precisa de um acrescento qualquer - senão, um ordenamento apenas com uma norma que dissesse "É proibido apanhar flores", e essa norma fosse cumprida, era um ordenamento extremamente justo - falta algo mais, não sei bem o quê.)

Servem então os princípios como última fileira da ordem normativa, o último reduto, a tropa de elite do Direito. E têm um efeito muito para além desse. Nomeadamente, se duas normas são contrárias, dificilmente uma sobrevirá à outra, salvo se o valor hierárquico for diferente ou a sua entrada em vigor. No entanto, face a dois princípios contraditórios (que os há), um apenas se comprimirá dando espaço ao outro, e parece-me que dará imediatamente espaço a todas as regras que lhe subjazam (considerando regras de valor hierárquico inferior, na medida em que princípios constitucionais parecem ter o mesmo valor. No entanto, isto cria outro problema: aceitar esta ideia significa que as regras acabam por ser mais fortes que os principios, porque face a um principio de igual valor a uma regra, a regra comprimiria o princípio, visto que esta não comprime. Uma ideia a pensar). Os princípios, então, aconchegam-se mutuamente, conseguem caber no mesmo espaço renunciando da sua aplicação na totalidade, fazendo cedências mútuas baseadas na previsão. A previsão dos princípios é muito menos exigente do que a das regras, na medida em que também a sua aplicação tem muito mais maleabilidade a nível de intensidade de resposta. Se as leis da Física estão correctas, e a cada reacção subjaz uma reacção oposta, e de igual intensidade, é fácil ver que quanto mais rígida for a previsão menos casos ela abarca, e mais previsível será o resultado nos casos que abarcar, e nos princípios mais casos abarcará e as suas características específicas serão determinantes na intensidade da resposta, maxime em caso da situação em concreto se enquadrar em duas tatsbestand de princípios contraditórios, onde aí, além da batalha intensidade da previsão/estatuição (interna) existirá uma outra batalha, externa, entre os dois princípios.

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